Recentemente, em minhas aulas sobre Arte e Educação, coma professora Rilmar Lopes, aqui na UFBA, me deparei com um texto único e excepcional, que fala como a arte é importante na vida e construção do ser individual, da mesma forma em que é extremamente necessário, do professor, uma assistência a mais, seja tida com mais paciência direcionamento para com o aluno. Num trabalho excepcional, cujo o direcionamento é dado para 'como ensinar teatro' Viola Spolin traz ao leitor um novo dimensionamento, onde até o próprio talento é questionado por quem de fato está disposto a aprender. Bom, agora sem mais delongas, eis um trecho de sua obra que me encantou e me fez acreditar que se o tivesse lido a alguns anos, algumas coisas seriam bem diferentes.
"Numa cultura onde a aprovação/desaprovação tornou-se o regulador predominante dos esforços e da posição, e freqüentemente o substituto do amor, nossas liberdades pessoais são dissipadas.
Abandonados aos julgamentos arbitrários dos outros, oscilamos diariamente entre o desejo de ser amado e o medo da rejeição para produzir. Qualificados como “bons” ou “maus” desde o nascimento (um bebê “bom” não chora) nos tornamos tão dependentes da tênue base de julgamento de aprovação/desaprovação que ficamos criativamente paralisados. Vemos com os olhos dos outros e sentimos o cheiro com o nariz dos outros. Assim, o fato de depender de outros que digam onde estamos, quem somos e o que está acontecendo resulta numa séria (quase total) perda de experiência pessoal. Perdemos a capacidade de estar organicamente envolvidos num problema, e de uma maneira desconectada funcionamos somente com partes do nosso todo. Não conhecemos nossa própria substância, e na tentativa de viver (ou de evitar viver) pelos olhos de outros, a auto-identidade é obscurecida, nosso corpo e a graça natural desaparece, e a aprendizagem é afetada. Tanto o indivíduo como a forma de arte são distorcidos e depravados, e a compreensão se perde para nós. Ao tentarmos nos salvaguardar de ataques, construímos uma fortaleza poderosa e nos tornamos tímidos, ou então lutamos cada vez que nos aventuramos sair de nós mesmos. Alguns, nesta luta com a aprovação/desaprovação, desenvolvem egocentrismo e exibicionismo; outros desistem e simplesmente seguem vivendo. Outros ainda, como Elsa no conto de fada, estão eternamente batendo nas janelas, tocando campainhas e lamentando “Quem sou eu?” O contato com o ambiente é distorcido. Autodescoberta e outros traços exploratórios tendem a ser atrofiados. Ser “bom” ou ser “mau” torna-se um modo de vida para aqueles que precisam da aprovação/desaprovação de uma autoridade — a investigação, assim como a solução dos problemas, tornam-se de importância secundária. Aprovação/desaprovação cresce do autoritarismo que, com o decorrer dos anos, passou dos pais para o professor e, finalmente, para o de toda a estrutura social (o companheiro, o patrão, a família, os vizinhos etc.). A linguagem e as atitudes do autoritarismo devem ser constantemente combatidas quando desejamos que a personalidade total emerja como unidade de trabalho. Todas palavras que fecham portas, que têm implicações ou conteúdo emocional, atacam a personalidade do aluno-ator ou mantêm o aluno totalmente dependente do julgamento do professor, devem ser evitadas. Uma vez que muitos de nós fomos educados pelo método da aprovação/desaprovação, é necessário uma constante auto-observação por parte do professor-diretor para erradicar de si mesmo qualquer manifestação desse tipo, de maneira que não entre na relação professor-aluno. A expectativa de julgamento impede um relacionamento livre nos trabalhos de atuação. Além disso, o professor não pode julgar o bom ou o mau pois que não existe uma maneira absolutamente certa ou errada para solucionar um problema: o professor, com um passado rico em experiências, pode conhecer uma centena de maneiras diferentes para solucionar um determinado problema, e o aluno pode aparecer com a forma cento e um, que o professor até então não tinha pensado2 . Isto é particularmente válido nas artes. O julgamento por parte do professor-diretor limita tanto a sua própria experiência como a dos alunos, pois ao julgar, ele se mantém distante do momento da
experiência e raramente vai além do que já sabe. Isto o limita aos ensinamentos de rotina, às fórmulas e outros conceitos padronizados, que prescrevem o comportamento do aluno. E mais difícil reconhecer o autoritarismo na aprovação do que na desaprovação — particularmente quando um aluno solicita aprovação. Isto lhe dá autoconhecimento, pois uma aprovação do professor indica que foi feito algum progresso, mas um progresso em termos do professor, não em termos do aluno. Portanto, ao desejar evitar a aprovação, devemos nos precaver para não nos distanciarmos a tal ponto que o aluno se sinta perdido, ou que ele julgue que não está aprendendo nada. A verdadeira liberdade pessoal e a auto-expressão só podem florescer numa atmosfera onde as atitudes permitam igualdade entre o aluno e o professor, e as dependências do aluno pelo professor e do professor pelo aluno sejam eliminadas. Os problemas propostos no livro ensinarão ambas as coisas. Aceitar simultaneamente o direito do aluno à igualdade na abordagem de um problema e sua falta de experiência coloca uma carga sobre o professor. Esta maneira de ensinar parece a princípio mais difícil, pois o professor deve sempre se colocar fora das descobertas dos alunos sem interpretar ou forçar conclusões. Contudo, isto pode ser mais recompensador para o professor, porque uma vez que os alunos-atores tenham realmente aprendido através da atuação, a qualidade da performance será de fato muito alta. Os jogos e exercícios para solução de problemas contidos neste manual ajudarão a diminuir o autoritarismo e, na medida em que o treinamento continua, ele desaparecerá. Com o despertar do sentido do eu, o autoritarismo é eliminado. Não há necessidade do status dado pela aprovação/desaprovação na medida em que todos (professor e aluno) lutam pelo insight pessoal — com a consciência intuitiva vem um sentimento de certeza. A mudança do professor como autoridade absoluta não ocorre imediatamente. Levam se anos para construir atitudes, e todos temos medo de abandoná-las, uma vez incorporadas. O professor encontrará seu caminho se nunca perder de vista o fato de que as necessidades do teatro são o verdadeiro mestre, pois o professor também deve aceitar as regras do jogo. Então ele facilmente encontrará sua função de guia, pois afinal o professor-diretor conhece o teatro técnico e artisticamente, e suas experiências são necessárias para liderar o grupo. "
SPOLIN, Viola. Improvisação para o teatro; São Paulo: Perspectiva, 2005.
Muito Legal!!
ResponderExcluirObrigada <3
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